“Viajando no tempo – 3”, por Celso Frauches

Casa de Caridade – 1922

A minha viagem no tempo continua. Estou em Jabuticabalândia, em uma região independente conhecida como Pasárgada. Graças ao invento da Nasa local, a máquina do tempo, viajei para Cantagalo, minha terra natal, na região serrana fluminense. Continuo o meu rolê pela cidade e para as vilas distritais, a fim de conhecer mais de perto Cantagalo, fundado por Manoel Henriques, o Mão de Luva. Estamos em outubro de 1922. Estou hospedado no Hotel Santa Tereza.

Celso Frauches
Celso Frauches

Em 20 de outubro sou convidado a visitar a Fazenda Sant’Anna, situada no 1º Districto.

A Fazenda Sant’Anna já foi propriedade do Barão de Cantagallo, que nela chegou a plantar 1.500.000 pés de café. Hoje o Coronel Sebastião Monnerat Lutterbach é o seu proprietário. Neste ano de 1922 é uma das mais importantes do município, pela extensão, excelência das terras e pela variedade da produção. O Coronel é tido como um dos mais “adiantados lavradores e criadores do torrão fluminense”. Sant’Anna tem uma área de oitocentos alqueires; fica numa altitude de 400m. Produz café, cereais e cana. É abastecida por energia elétrica; possui água nascente, cachoeira, um engenho de cana, uma fábrica de laticínios. “Sua manteiga é considerada sem rival e o requeijão marca Sant’Anna tem uma grande aceitação nos mercados próximos”. Uma vista geral da fazenda revela a sua importância para Cantagallo.

No dia seguinte, fui conhecer a Câmara Municipal. Sua sede é um belo prédio, situado na entrada de Cantagalo, com imponente torre. A Prefeitura funciona na parte térrea; na parte superior vejo o plenário da Câmara. A mesa de reunião tem assentos para nove edis. A tribuna é toda em madeira de lei. A minha entrevista foi com o presidente da Câmara, Coronel Cezar Freijanes, que é também o Prefeito. Ele me disse que acumular essas duas funções lhe dá mais poderes e condições de realizar muito mais pelo município.

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No mesmo dia fui convidado pelo Padre Laureano Ribeiro Peixoto, Pároco desde 1º de abril deste ano, para conhecer a Igreja Matriz. Foi uma espécie de visita guiada, na qual ele foi me discorrendo sobre cada espaço do Templo. As belas colunas próximas ao altar foram mandadas construir por nosso Regente Imperial, D. Pedro II. A imagem do Sagrado Coração de Jesus, uma das mais antigas da Matriz, está colocada acima das sobreposições que compõem o fundo do altar, em um nicho, entre flores e velas. Mais abaixo, o Sacrário que guarda nosso Padroeiro, o Santíssimo Sacramento. Do teto, pende um imponente lustre de cristal que, segundo me informaram, hoje se encontra na Capela de São Vicente de Paulo, no Asilo. Cadeiras e genuflexórios de madeira mais próximos ao presbitério são reservados aos membros das Associações religiosas, durante eventos religiosos, sobretudo a Missa. O púlpito fica no lado esquerdo, mas bem central, para que as homilias sejam ouvidas por todos os fieis, num tempo em que microfones e afins não haviam sido adotados nos templos. Altares laterais protegidos por cercados de madeiras abrigam imagens de Nossa Senhora das Dores, à esquerda, e de Nossa Senhora do Livramento, à direita, mas vejo imagens de outros santos mais abaixo nestes altares, como a de São Sebastião e São Roque. Nosso templo é belíssimo! Padre Laureano disse-me ter criado o Livro de Tombo da Paróquia, onde serão, de agora em diante, registrados todos os acontecimentos históricos, os atos e fatos de maior relevância da Paróquia.

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Em 22 de outubro conheci o templo maçônico, a Loja Confraternidade Beneficente de Cantagallo, fundada em 19 de março de 1865. Conversei com o Grão-Mestre, que me informou sobre a história da maçonaria em Cantagallo e da criação da Casa de Caridade, em 24 de abril de 1875 e dirigida por um Provedor, membro da Loja. Para contar a história da maçonaria em Cantagallo e da Casa de Caridade ninguém melhor do que o meu colega de coluna, o Dr. Júlio Marcos de Souza Carvalho, o amigo Júlio.

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Visitei, no dia seguinte, 23, a Caixa Rural. Lá conversei com o presidente, Dr. Alcides Pinheiro, um jovem advogado, cuja carreira é reconhecida por todos “com muito brilho e com grande facilidade”. Essa instituição de crédito vem realizando financiamentos para a agricultura e pecuária, fato que contribui significativamente para o desenvolvimento de nosso Município.

Ao “Asylo á Velhice Desamparada” reservei a manhã do dia 24. O meu contato inicial foi com dona Izaura Verani, provedora, e com Elisa Santos, ajudante. Onze eram os idosos internos, sendo nove do sexo feminino. Todos negros ou pretos, como querem os criadores dessa idiotice chamada “politicamente correto”. São frutos da pós-abolição, sem o preparo ou educação, ainda, para o pleno exercício da liberdade, apenas capacitados em habilidades para os trabalhos da época (1888). A construção do prédio é simples, mas acolhedora.

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Antônio Castro - 1922
Antônio Castro – 1922

26 de outubro foi reservado para uma extensa visita à Empresa de Força e Luz Ibero-Americana, de Antonio Castro, sucessor de Castro, Martinez e Pires. É um dos mais relevantes empreendimentos para o progresso de nosso Município. O escritório central funciona no Rio de Janeiro, na rua D. Geraldo, 64. Atende às seguintes localidades: Cordeiro, Santa Rita, Boa Sorte, Laranjeiras, Batatal, Portella, Itaocara, Três Irmãos, Villa Nova, Cambucy, Pureza, Ipuca, São Fidelis e Cantagallo. O sr. Castro diz que “a luz fornecida pela empresa é brilhante, fixa e de grande poder iluminativo”. A Usina está situada no local conhecido por Chave do Vaz; possui “três grupos hydro-electricos, dos quaes dois são iguaes e constam de duas turbinas Gilber-Gilkess, sistema Francis, de 150H.P. A “iluminação é trifásica de 220v entre phase e phase e 120 v entre phase e neutro”. Antonio Castro fala de sua empresa com muito orgulho.

No dia 27 fui descansar. Ninguém é de ferro. Volto na próxima semana. Até lá!

Leia os relatos anteriores desta viagem:

Artigo – Viajando no Tempo 1

Artigo – Viajando no Tempo 2

NOTA

Está servindo de base para esta viagem no tempo o Album do Municipio de Cantagallo, organizado e sob a direção do Dr. Julio Pompeu, em 1922.

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

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