Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
O craque trata a bola de você, não de excelência.
(Gentil Cardoso)
Vim para a cidade de Cantagalo no final de 1947. Quando morei na Fazenda da Serra, perto do povoado Porto do Tuta, eu era presença constante nas margens do campo de futebol, ao lado do armazém de meu pai, Henrique. Apreciava os tios Pedro (Pedrinho), Walter e Acyr jogando pelo time do Porto do Tuta, às vezes jogando pelo time do Paraíba, na vila de São Sebastião do Paraíba.
Em Cantagalo, a minha paixão pelo futebol aumentou, pela quantidade de craques que via atuando pelo Cantagalo EC e depois pelo Flamenguinho. Dentre esses, um se destacava: Zé Vieira (José dos Santos Vieira). Filho de Maria José dos Santos Vieira e Francisco Vieira, nasceu em 15 de novembro de 1928. Nessa época, aos 26 anos, estava em sua plena forma atlética e nas técnicas e práticas do futebol da época.
Mas ele tinha uma diferença gritante entre os zagueiros daqueles tempos. Era clássico, lembrando o Nilton Santos, zagueiro direito do Botafogo. O Zé era extraordinário, não só porque defendia sua área, mas iniciava jogadas, cabeceando para o colega que estivesse fora da área. Assim ele poderia dar seguimento para atacar a equipe adversária. Nas bolas a meia altura ele a “matava” no peito e com classe incrível distribuía para um dos companheiros do time, a fim de iniciar um novo ataque. Ele não só defendia como participava de forma técnica às avançadas de seu time ao ataque. Essa qualidade técnica no futebol era única na década de 40/50.
No final das décadas 50/60, era comum o Cantagalo EC convidar equipes para disputar partidas em seu estádio, como o Fluminense, Botafogo e Vasco da Gama e outros menos famosos… O Vasco da década de 50 era a equipe que mais fornecia jogadores para a seleção brasileira. Chegou a contribuir com oito craques, incluindo um reserva, Friaça. O Fluminense, certa vez, teve convocados os seus dois goleiros, o “santo” Castilho e Veludo. Mas voltemos a Vasco.
Na visita do Vasco, veio o time reserva que tinha entre seus quadros o popular craque Friaça. O time do Cantagalo era um dos melhores da região serrana. Não me lembro a escalação do time no jogo contra o Vasco, mas o Zé Vieira foi destaque absoluto, entre aquele punhado de craques. Simplesmente “parou” o ataque do Vasco. Terminado o jogo, foi fartamente cumprimentado pelo técnico, hoje “professor”, do Vasco.
Passados alguns dias, o Zé Vieira recebeu um convite para treinar no Vasco. Ele aquiesceu ao pleito e foi, livre e solto, enfrentar esse obstáculo para alcançar o sucesso pleno em sua carreira como futebolista. Começou o treino na equipe reserva. Como se saiu muito bem no primeiro tempo, Gentil Cardoso, que era o técnico, passou o Zé, desconhecido na cidade do Rio de Janeiro, para a equipe titular. Ali ele voltou a “parar” o ataque do time principal, que contava com os excelentes Sabará, Edmur, Friaça pela ponta direita; Ipojucan e Genuíno na meia direita; Ademir, goleador; Maneca, Alfredo, Vavá na meia esquerda; e na ponta esquerda Chico e Jansen. Barbosa era o goleiro, tendo como reserva Ernani. Augusto e Haroldo ou Bellini na zaga central. O então meio de campo era constituído por Eli, Danilo (O Príncipe) e Jorge. Todos craques de seleção.
Diante dessas “feras” quem sobressaiu naquele memorável jogo de teste foi o nosso querido Zé Vieira. Aprovado, com louvor, para o time titular do Vasco da Gama, voltou a Cantagalo para “fazer as malas” e voltar para assinar polpudo contrato, já iniciando como titular. Passados alguns dias, como ele não viajou para o Rio de Janeiro, o então presidente do Vasco veio pessoalmente buscá-lo para assumir as funções de zagueiro da equipe de São Januário. Apesar do aceno com contrato altamente vantajoso, o nosso querido Zé Vieira optou por ficar em sua terra natal e trabalhar na firma dos empreendedores Walter Tardin e Jamil Japor.
O Vasco estava testando vários zagueiros, ainda não promovidos a titulares absolutos: Augusto, Haroldo e Bellini. Como Zé Vieira não aceitou ir para o Rio de Janeiro, Bellini foi alçado à equipe titular e aos poucos foi se destacando, terminando como titular absoluto. Convocado para a seleção brasileira de 1958, foi quem, pela primeira vez na história, levantou o troféu quando o Brasil foi campeão mundial de futebol. Fico pensando, com muitos cantagalenses, como seu irmão Luiz Vieira e o Dr. Júlio Carvalho, meus amigos queridos, que quem estaria no lugar do Bellini seria o nosso muito querido Zé Vieira. Teria sido sensacional vê-lo erguendo a Taça Jules Rimet e aparecendo em todos os jornais do mundo! Todos lamentamos, mas essa é a vida, cheia escolhas, que podem nos levar a percalços, fragilidades, vitórias, erros e acertos.
Ah! O Zé Vieira era craque também no basquete e no vôlei. Mas essa trajetória fica para outro artigo, com a contribuição de seu irmão e amigo, Luiz Vieira.
Por tudo isso, seu nome está gravado na nossa Quadra Municipal de Esportes José dos Santos Vieira.
José Vieira faleceu prematuramente, aos 53 anos de idade, deixando a viúva Arilda e as filhas Nize Cristina e Carla. Ficamos todos os cantagalenses, seus admiradores e suas admiradoras, com uma saudade imensa desse ser humano incrível, que entrou e saiu da vida simples, afável, um cavalheiro, e saiu com a mesma simplicidade, vivida em sua trajetória entre Cantagalo e Niterói. Uma pessoa admirável e um craque de futebol inesquecível.
Cantinho da poeta Amélia Thomaz
Remédio
Suaviza qualquer drama,
Ameniza qualquer dor,
O sabermos que nos ama
Quem merece o nosso amor.
(Extraído do livro Alaúde (Cantagalo, RJ: Ed. Autor, 1954, p. 25))
Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.