“A herança maior que as mulheres deixaram”, por Amanda de Moraes
A educação, direito de todos, não abrange somente o ambiente escolar, estando presente na vida familiar, no trabalho, nos movimentos sociais e culturais. É uma responsabilidade coletiva pelo bem-estar; crescemos como ser humano, crescemos como sociedade devido a seu impacto individual e coletivo.
O ambiente escolar ocupa uma parcela significativa do tempo que dedicamos ao saber. Será nesse lugar que aprenderemos a socializar, criarmos vínculos afetivos, brincarmos, sofrermos, termos contato com um mundo inteiramente novo pelas páginas de livros. O professor, um guardião de portal para novos universos, passa a ser mais uma referência aos estudantes. E, com isso, os seus ensinamentos passam também a constituir uma das tantas estruturas pelas quais iremos nos basear, formando o nosso comportamento.
Guias, recomendações, leis e cultura guiam a forma como o processo de aprendizado irá desenvolver-se. Pessoas pensaram, organizaram e colocaram em prática métodos de educação, responsáveis pela formação do ser humano. Não se trata de um caminho enviado por entidades celestiais, mas sim desenvolvido de acordo com interesses e objetivos. Há os que colocam o aluno em um lugar passivo para absorção dos valores e cultura pregados, integrando-os à sociedade, sem grandes questionamentos. Outros entendem que é necessário ensinar os jovens a pensar e questionar, com participação ativa na formação do intelecto e da compreensão do mundo. Seja qual linha for seguida, o conhecimento é escolhido para um propósito.
Delegamos às escolas, em uma fase importante do crescimento humano, a responsabilidade de escolher como as disciplinas serão passadas, se terão contato com pluralismo de pensamentos e sob que perspectiva a história da humanidade será contada.
A lei brasileira de diretrizes para a educação nacional (LDB) estabelece que a educação será pautada pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar cultura, pensamento, arte e o saber, com pluralismo de ideias, respeito à liberdade e à tolerância. Apesar desses princípios, ainda temos em nosso país uma larga escala de preconceito, segregação e discriminação.
Qual é o papel das nossas escolas em uma sociedade que ainda enxerga determinados grupos sociais como inferiores, indignos e excluídos? É claro que delegar às entidades de educação toda a responsabilidade pela educação é um tanto quanto injusto; lutar contra padrões reproduzidos dentro de casa é árduo. No entanto, precisamos entender que, de fato, o centro educacional, ou seja, a escola possui uma parcela de responsabilidade.
Vamos à prática. Antigamente, às mulheres era matéria obrigatória a costura e prendas domésticas, o que incentivava aos papéis preestabelecidos por gênero.
Em 2024, foi promulgada a Lei 14.986/2024, que obriga as escolas a ensinar as contribuições das mulheres à humanidade. Em homenagem a elas, essa legislação instituiu, para a segunda semana de março, a Semana de Valorização de Mulheres que Fizeram História. Com isso, os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, são obrigados a incluir abordagens fundamentadas nas experiências e nas perspectivas femininas, sob diversos aspectos da história, da ciência, da economia, das artes e da cultura do Brasil e do mundo, com a finalidade de resgatar as contribuições, as vivências e as conquistas femininas.
Apesar de silenciadas por um longo período, mulheres somaram para a construção da humanidade. Aquelas que não puderam, por causa das limitações sociais, lutaram para que, num dia, pudessem fazer. E isso precisa ser contado.
Em um mundo um tanto desigual, lá trás, talvez uma menina tivesse escolhido a área das ciências exatas se, em sala de aula, tivesse ouvido falar de Marie Curie (1867-1934), uma física e química polonesa, naturalizada francesa, pioneira na pesquisa da radioatividade e a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel. Quem sabe se, ao saberem das contribuições de Ada Lovelace, matemática e cientista inglesa, responsável por escrever aquele que veio a ser conhecido como o primeiro algoritmo de computador da história, não teríamos mais mulheres em um ambiente tipicamente masculino?
Quantas cientistas a brasileira Elisa Frota Pessoa (1921-2018), uma das primeiras mulheres a ser formar em física no Brasil, que tomou posse na Academia Brasileira de Ciências em 1952, teria inspirado a seguir o caminho da ciência?
Além de ajudar em importantes escolhas pessoais, pela história dessas mulheres, é possível entendermos mais sobre a importância da luta pelo direito de todos.
Por essa perspectiva, ensinam os jovens a debater desigualdade de gênero, violência, criar consciência nas lutas femininas históricas, como, inclusive, pelo direito ao voto. Em vez de serem reprodutores de padrões que disseminam sofrimento, passarão a ser questionadores do porquê fazemos o que fazemos.
A responsabilidade é de todos. Devemos cobrar dos órgãos responsáveis pela educação o futuro que queremos criar para filhos, netos e o próximo. Afinal de contas, a educação é o único caminho para a maior herança que um ser humano pode receber – a das virtudes.