Em um espaço de apenas 23 dias a humanidade ficou mais pobre com a morte do Papa Francisco, em 21.04.25, e o falecimento de José Mujica, ex-presidente do Uruguai, em 13 de maio último. Caminhando por veredas diferentes, com formações sociais e religiosas desiguais, ambos lutaram pelos mesmos objetivos: a paz mundial, a fraternidade entre os homens, o fim das desigualdades sociais, com a promoção dos mais pobres, dos humildes e dos marginalizados pela sociedade. Ambos sul americanos, o que me enche de orgulho por pertencer a esta parte do mundo.
O Papa Francisco, argentino, da região de Buenos Aires, desde jovem dirigiu sua vida para o catolicismo sem se prender exclusivamente à liturgia, todavia lembrando sempre que o ser humano é um complexo de alma e matéria, que necessita viver e ser tratado com dignidade; desde a época em que era bispo da capital argentina, se preocupou e deu total apoio às comunidades mais pobres da periferia.
Ao ser eleito Papa, escolheu residir na Casa Santa Marta, onde se hospedam os religiosos do mundo inteiro que vão à Itália, abdicando do luxo do Palácio do Vaticano. Seu velório foi bem mais simples que o de outros Papas, sendo sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, fora do Vaticano, em um túmulo baixo, tendo escrito na sua parte superior apenas Franciscus e a cruz de Cristo, cumprindo sua vontade manifestada em vida. Escolheu Cardeais dos cinco continentes, tornando o catolicismo, realmente, mundial conforme os ensinamentos de Cristo (Ide e ensinai o Evangelho a todas as criaturas).
Ao contrário do Papa Francisco, Mujica estudou com dificuldade; órfão de pai aos seis anos de idade, passou por inúmeras dificuldades financeiras, ligado às atividades da agricultura, desde muito jovem ajudava a mãe na venda de flores e de outros produtos do campo.
Ainda jovem, na época em que o cone sul da nossa América estava dominado por violentas ditaduras militares, Pepe Mujica passou a fazer parte do movimento guerrilheiro Uruguai denominado Tupamaros, que mantinha confrontos armados com as forças do governo. Foi preso, permanecendo no presídio durante 14 anos, em péssimas condições, mal alimentado e torturado, o que prejudicou sua saúde, principalmente a parte dos dentes.
Em 1985, com a redemocratização do Uruguai, os presos políticos foram libertados, Pepe Mujica ingressou na política como membro da Frente Ampla, coligação de partidos da esquerda, sendo eleito deputado federal, senador e presidente da república, antes ocupando o cargo de ministro.
Seu governo se caracterizou por políticas sociais, diminuiu acentuadamente o índice de pobreza do povo do Uruguai, aumentou o salário mínimo dos trabalhadores; não aceitou morar na residência presidencial, permanecendo em sua modesta chácara nos arredores de Montevideo. Dava um tremendo trabalho aos seguranças oficiais, pois, frequentemente, saia com sua esposa, à noite para tomar sorvete ou fazer lanches. Consta que doava cerca de 80% de seu salário de presidente para uma instituição responsável pela construção de casas populares para os uruguaios mais pobres.
Certa vez, ao ser chamado de presidente mais pobre do mundo, Mujica respondeu: “Não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade”.
Ao ser eleito presidente do Uruguai, declarou: “Elegemos um governo que não é dono da verdade e precisa de todos. Custou-me uma vida entender que o poder está nas massas”.
Durante o seu governo legalizou o casamento gay, o aborto e o uso da maconha. Perguntado sobre o casamento homossexual, declarou: “O casamento gay é mais velho do que o mundo. Existe. E não legalizar seria torturar as pessoas desnecessariamente”.
No seu governo foi acusado de corrupção na ANCAP, companhia estatal de petróleo do Uruguai, todavia permaneceu pobre, sendo seu único patrimônio um fusca azul, do qual jamais se separou.
Como um autêntico filósofo, Mujica ficou famoso, também, por suas frases. Vejamos algumas: “Triunfar na vida não é ganhar. Triunfar na vida é se levantar e começar de novo cada vez que se cai”.
“É bom viver como você pensa, caso contrário você pensará como vive”.
“Porque não viemos ao planeta apenas para nos desenvolvermos, assim de forma geral. Viemos ao planeta para sermos felizes. Porque a vida é curta e passa rápido. E nenhum bem vale tanto quanto a vida – isso é essencial”.
“Os indivíduos dependem da sociedade, e o progresso da sociedade é o que nos permite enriquecer e melhorar permanentemente a nossa vida”.
Mujica era ateu, afirmava “Deus não existe”, todavia estava sendo preparado um encontro dele com o Papa Francisco, impedido, infelizmente, pela doença de ambos; talvez, nesse momento, a bondade e a misericórdia do Papa argentino mudassem o pensamento do ex-presidente uruguaio. Mas os caminhos e a lógica de Deus são bem diferentes do pensamento humano!
Júlio Carvalho.