“A maternidade não deve ser uma prisão”, por Amanda de Moraes

A maternidade é um momento de transformação. É um capítulo da vida marcado por expectativas, mudanças físicas e emocionais, administração do tempo, noites mal dormidas. Não há fórmula pronta. Cada mulher a vive e entende de uma forma singular. Umas dirão que foi o melhor acontecimento em suas vidas. Outras se questionam sobre o tema. Muitas pedem para não romantizarem a reponsabilidade maternal, para evitar mais sobrecarga do que a própria função de ser mãe.

No entanto, existe algo similar nessa trama da vida, que se repete em cada lar. A vida da mãe, seja ela qual for, impacta diretamente na formação da criança. A delicadeza do tema faz com que ações governamentais sejam incentivadas visando à saúde maternal e ao bem-estar da criança, ainda mais em um país no qual o número de mães que criam seus filhos sem a ajuda do parceiro é significativo.

Em um olhar atento sobre a questão, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (ONU) dispõe que os países deverão garantir uma compreensão adequada da maternidade como função social. Se levarmos em consideração que o Brasil tem falhado em oferecer suporte adequado às mulheres que não estão presas, o que se dirá para as que estão encarceradas?

O afastamento repentino da mãe pode gerar consequências severas à sua prole. Imagine uma criança que, de súbito, tem a sua mãe retirada para a prisão, experienciando uma ruptura dos cuidados e afeto que recebia. O tema envolve questões humanitárias e sociais, sendo necessário proteger também a infância da ausência materna.

O nosso Código de Processo Penal prevê a substituição à prisão preventiva – antes de a pessoa ser declarada culpada, em definitivo – por prisão em domicílio, nos casos de gestantes, mães de crianças menores de 12 anos ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência. Em determinados casos, como entendeu o Ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça, a prisão em definitivo, em regime fechado, pode ser substituída, para que a mãe cuide de seu filho. Apesar disso, o entendimento sobre a importância da maternidade ainda enfrenta desafios.

Em janeiro deste ano, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a realização de mutirões carcerários por todo o país, para assegurar que mulheres gestantes e mãe de menores de 12 anos cumpram a prisão preventiva em domicílio, diante de reiterado descumprimento desse preceito por tribunais dos estados (HC 250.929/PA)

Mais: quando do julgamento do habeas corpus 143.641/SP, no mesmo Supremo Tribunal Federal, dados alarmantes sobre a infraestrutura para a maternidade no interior das prisões foram expostos: número muito reduzido de celas ou dormitórios adequados para gestantes, número reduzido de berçário ou centro materno-infantil e um percentual mínimo de creche.

A situação está muito além da mulher, a quem a prisão poderia ser imposta. No sistema de justiça, é importante considerar o papel fundamental da convivência materna, o desenvolvimento psicológico e emocional da criança (e os distúrbios que um afastamento dessa natureza pode causar). Um menor não é capaz de elaborar, de maneira madura, o sentimento de abandono, insegurança e insuficiência, ainda mais nos primeiros anos de vida.

O respeito à Constituição Federal de 1988 e à Democracia impõe a humanização do sistema penal, a fim de garantir à criança o direito à convivência familiar, à dignidade, ao respeito e salvaguardá-los de qualquer violência.

Se pau que dá em Chico dá em Francisco, lembremos: um parente de nossa convivência pode ir à prisão. Mesmo que não fosse mulher e mãe, pediremos com todas as forças constitucionais que exista o mínimo – direitos humanos. Sendo mulher e mãe recente, a vida da criança também estará em jogo. Nunca sabemos o dia de amanhã, na minha ou na sua família, porém é no cumprimento das leis o direito à vida se faz respeitado.

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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