“Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história” – registrou Hanna Arendt, filósofa judia, que sobreviveu à perseguição nazista.
Os caminhos difíceis são fontes de inspiração para outras pessoas, seja porque a superação de um obstáculo faz reconhecer em nós a mesma capacidade obstinada, seja porque aquece com empatia e compaixão.
Além do outro, as memórias revividas, quando tocam a alma de um terceiro, ajudam a cicatrizar a nossa própria ferida. É um bom remédio. O ser humano é um ser coletivo: a mesma aptidão que tem de ferir, tem para curar.
No Brasil, a estrada de Maria da Penha, farmacêutica, emblemou o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. O marido Marco Antônio Herredia Viveiros, professor universitário, atentou, por duas vezes, contra a sua vida.
Em um primeiro momento, enquanto ela dormia, seu cônjuge alvejou as costas, fazendo-a paraplégica. Quatro meses depois, foi mantida em cárcere privado, seguido de uma tentativa de eletrocutá-la enquanto se banhava.
Após anos de luta, Herredia Viveiros foi condenado. Em 2001, a Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Brasil por omissão e negligência, exigindo legislação apropriada para o combate de crimes dessa natureza.
Maria da Penha emprestou seu nome à Lei 11.340/2006, destinada à luta pela erradicação da violência contra a mulher. Em agosto, essa legislação completará 17 anos.
Sua história, posto que trágica, virou símbolo de resistência, conferindo a força necessária para que muitas mulheres sigam em frente, apesar das tempestades. Aos homens é de grande valia; impõe uma conduta civilizada e permite que reflitam sobre os atos de violência.
Entre avanços e retrocessos, ainda não é fácil ser mulher no Brasil. Os índices de feminicídio – assassinato de uma mulher em razão do gênero – ainda são elevados. De acordo com o Núcleo de Estudos da Violência da USP, uma mulher foi assassinada a cada 6 horas em 2022.
Além dos atentados contra à vida, o mercado de trabalho ainda olha com preconceito para as mulheres. Como não lembrarmos de Myrthes Gomes de Campos, pioneira na luta pelo direito feminino, que se consagrou a primeira mulher advogada no Brasil. No Supremo Tribunal Federal, a pioneira foi a Ministra Ellen Gracie.
Nossa história é recheada por grandes marcos femininos. A lista, apesar de pouco divulgada, é extensa e sólida.
Carlota Pereira de Queirós, primeira mulher eleita Deputada Federal no Brasil, entre outros feitos, além de fundar a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, em 1950, militou em prol da educação feminina. Marcou presença como a única (do gênero feminino) a participar da elaboração da Constituição de 1934.
Nas eleições de 1986, tivemos o dado histórico de 26 mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, apesar de isso representar apenas 5% do Congresso Nacional. A bancada feminina na Assembleia Nacional Constituinte de 1987 fez-se presente.
Em meio a progressos e retrocessos, o ponto é: relembremos as personalidades femininas que por aqui fizeram história. Esses enredos forjam o nosso peito, revitalizam a nossa força, e fazem-nos reconhecer a capacidade de mudança.
Conta e recontar os marcos importantes dos direitos e garantias das mulheres é um dos pilares para o aquecimento de políticas públicas direcionadas ao tratamento mais digno, inclusivo e respeitoso.
O caminho nunca será só de flores, beira ao pueril pensarmos que decisões corretas são isentas de sofrimento.
Hoje, no campo do direito das mulheres, estamos melhores do que ontem, sem dúvida. Apesar disso, há ainda um grande percurso à frente.
A lembrança da linha do tempo traz razões para acreditar que, sim, estamos na trilha certa, ainda que árida, montanhosa e com sede de um país em que homens entendam mais sobre o poder ético que palavras e ações possam ter. Maria da Penha, obrigada por existir!