“Mão de Luva e as origens de Cantagalo – 2”, por Celso Frauches

1ª edição, em 1991, sobre Mão de Luva, de Sebastião A. B. de Carvalho.

Leia a parte 1 deste artigo neste link.

O naturalista francês Luís Agassiz¹, em sua passagem pelo interior do Rio de Janeiro, em meados do século 19, no livro Viagem ao Brasil, faz registro do seu encanto pela floresta tropical:

Vamos flanar à vontade na floresta virgem. São as mais esplêndidas, as mais selvagens, as mais primitivas belezas da natureza tropical que jamais vimos. Não creio que qualquer descrição possa nos predispor para o contraste que há entre a floresta do Brasil e a do nosso país, se bem que esta tenha também direito a denominação de virgem. Não é unicamente uma vegetação inteiramente diversa, é a impenetrabilidade da massa, a densidade, a obscuridade, a solenidade dessas matas que tornam a impressão tão profunda. Parece que o modo de crescimento das árvores, sua maioria elevando-se a uma altura extraordinária e deixando os galhos crescerem apenas nos seus cimos, é uma precaução da natureza para dar espaço à legião de parasitas, cipós, lianas, trepadeiras de toda espécie que enchem os espaços intermediários.

Registra que a vegetação é composta por uma floresta bastante densa, dominada por árvores altas, que atingem geralmente 45 a 55 m, podendo excepcionalmente atingir alturas maiores. O interior da floresta é escuro, mal ventilado e úmido.

Judith Cortesão (1914/2007)², ambientalista, pesquisadora e educadora reconhecida internacionalmente, deixou a sua análise dessa região proibida, no que se refere à fauna:

Com exceção de poucos animais maiores, como a anta ou tapir (Tapirus terrestris) e a onça-pintada ou jaguar, a fauna da Mata Atlântica é caracterizada pelo predomínio de animais de pequeno porte. Como exemplo, podemos citar alguns ratos-do-mato (Cricitidae), beija-flores, pássaros de porte pequeno e diverso, além de outros minúsculos vertebrados, incluindo peixes, que apesar do pequeno tamanho possuem uma importância ecológica tão grande quanto os maiores vertebrados.

Foi nessa densa mata que Manuel Fernandes abriu caminho para sua tropa, com cerca de 27 pessoas, incluindo vinte escravos, que, vindos de Guarapiranga, hoje Piranga, das Minas Gerais, atravessou o rio Paraíba do Sul, em Porto Velho (Porto Novo do Cunha). Adentrou as terras fluminenses pela região do Carmo, Floresta, chegando ao local que hoje é o bairro do Triângulo dos Ferroviários. Observou, que a mata à sua frente ficava entre morros, havendo apenas uma pequena entrada, por onde corria um riacho caudaloso, que desaguava, no referido bairro, em outro riacho. Encontrou o local que precisava, longe da curiosidade de terceiros.

Ali construiu o seu povoado —El-Rey —e iniciou a garimpagem do ouro de aluvião, na “área proibida” pela Coroa Portuguesa.

Era uma região propícia à criação de aves, farta, pelo que se sabe, no povoado El Rey, de Mão de Luva, no centro cobiçado dos “Certões”.

Ainda sobre a fauna dos “Certões”, Mary Lou Paris³, pesquisadora, escritora e editora, em seu depoimento sobre a mata atlântica, descreve:

Estas florestas pluviais tropicais com vegetação muito densa são o abrigo de várias espécies de animais bastante características. Ao restringir a circulação do ar no seu interior, diminuindo a possibilidade de faro dos animais e, consequentemente, a sua sensibilidade ao cheiro das presas e dos inimigos (em geral trazido pelo vento), a compactação das matas favorece a presença de animais vocalizadores, de audição aguçada. Entre eles, os primatas e as aves – bugios, macacos-prego, surucuás, maritacas. […]. A grande quantidade de cipós e o pequeno espaçamento entre as árvores condicionam o porte dos animais. Ao dificultar a locomoção rápida, essas florestas favorecem o desenvolvimento de animais de hábitos arbóreos, entre os quais os de cauda, como os primatas, os gambás e tamanduá-mirim; e os de dedo opositor, como os mutuns, jacus e papagaios. (…) Os locais mais abertos formam o habitat de mamíferos de grande porte, como a onça-pintada, um predador que precisa de bastante espaço para sobreviver. E, ainda, de outros animais, como a anta, a paca, a ariranha, a preguiça, a lontra, o tatu-canastra, o ouriço-preto, o guariba, gaviões, papagaios…

A região dos “Certão occupado por índios bravos”, é identificada em um mapa de 1767, do território situado numa zona montanhosa da fronteira entre as capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro. O topônimo, ao longo dos tempos, foi mudando, seguidamente: Sertões de Macacu, Sertões de Canta Gallo, Novas Minas de Canta Gallo, vila São Pedro de Cantagalo e, finalmente, a denominação que permanece até hoje: Cantagalo.

De que tribos eram esses “índios bravos”? Várias etnias, principalmente, os Puri. É o que vemos em excelente artigo de Enio Sebastião Cardoso de Oliveira⁴: “Uma narrativa sobre os índios brabos: os Puri nas fronteiras dos sertões de Campo Alegre da Paraíba nova no Século XVIII”⁵.

 

Notas

¹ Viagem ao Brasil. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000071.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2023.

² CORTESÃO, Judith et al.1990, Mata Atlântica, p. 132.

³ PARIS, Mary Lou. 1992, Dossiê Mata Atlântica, p. 31.

⁴ Doutor em História Política – UERJ- Secretaria de Estado Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC-RJ, Secretaria Municipal de Educação de Resende. E-mail: enioprof@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1035105320691655.

 Disponível em: <file:///C:/Users/Celso/Downloads/oliveiravha,+Antígona+Segunda+Edicao-232-276%20(2).pdf>. Acesso em: 27 jan. 2023. 

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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