“Coragem”, por Amanda de Moraes

Advocacia

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Advocacia não é profissão para covardes. A frase é de Sobral Pinto, um dos juristas mais importantes da nossa história. Essa mensagem foi o símbolo desse ser humano combativo, até hoje conhecido nos quatro cantos brasileiros. No entanto, para quem desejar conhecer mais a essência de seu estilo, aqui vai.

A coragem é tema de debates, desde o tempo em que ainda não éramos República. Em uma sociedade na qual a ansiedade, a dúvida e a impermanência estão presentes na vida do indivíduo, essa qualidade (ou virtude, como diz o filósofo André Comte-Sponville) é decisiva.

Podemos olhar de diferentes perspectivas. Coragem para ser o que se realmente é, para alinhar ações aos pensamentos e desejos, para levar a cabo decisões difíceis e ter momentos de felicidade. Sim, ser feliz é um ato de coragem, porque exige muitas renúncias.

Falemos aqui sobre a bravura, como pressuposto de quem tem a lei como ofício. O causídico é indispensável à correta administração da justiça. Como pontuou o Ministro Humberto Martins a jovens operadores do Direito: “Sem advogado, não há Justiça e, sem Justiça, não há cidadania”.

Muitas vezes, ele enfrenta a sociedade civil, materializada na opinião pública. Em alguns casos, antes de qualquer coisa, o que se pede ao advogado é a esmola da amizade, como sinalizou Francesco Carnelutti, em As Misérias do Processo Penal. É preciso destemor para enfrentar os ânimos alterados de milhares de vozes e os dedos da moralidade que apontam, desnorteados, um culpado. Sem nominar, veja os principais casos (até motivos de série na Netflix, em que ainda se vê a figura do advogado de defesa como alguém do mal).

Na lida do cotidiano, a palavra será o instrumento de trabalho de quem argumenta, em prol de se fazer o justo, ou seja, aplicar a lei, sem qualquer paixonite. Machado cego não cumpre a função. O vocábulo, quando mal-empregado, pode ser decisivo.

Um discurso precisa de solo fértil para florescer, e a alma, boa disposição, senão, em vez de sair, as palavras entrarão, como ocorreu a Bentinho no enterro de Escobar. Responda rápido: quando você leu Dom Casmurro, Capitu foi tema de traição ou foi tema de amor ao próximo? Pois bem: de qualquer forma, a pré-leitura veio enviesada. Lamento.

E se o verbo desagradar? Levantar a voz para direitos sonegados é uma batalha diária, ainda mais se a parte contrária (da defesa) for uma advogada, mulher, usuária do gênero feminino: “Ela precisará lutar com outros machados.” Mas… vamos continuar.

Ao longo das audiências, o nosso sistema processual possibilita a inquirição direta de uma testemunha apresentada pela defesa (direct examination) e a inquirição pela outra parte acusatória (cross-examination), e vice-versa. A prova testemunhal é fundamental e frequentemente taxativa para a resolução do caso penal. É uma tarefa hercúlea decidir pelas indagações a serem feitas (e se precisam ser realizadas). Mais: estar sempre preparado para o elemento surpresa. Nunca se sabem os rumos que as declarações poderão tomar.

Agora, já podemos sonhar com o mundo jurídico ideal: ter pessoas envolvidas em um processo, com juiz imparcial e sociedade em plena vontade de entender que advogados são a única solução profissional para se fazer pleno algo (que é de cada um): o direito individual à defesa em sua plenitude. Em resumo: “Vamos supor que, daqui a alguns anos, o apedrejado em praça pública tenha um vídeo vazado, até então secreto, provando que as coisas não foram bem assim. Porém, ele já perdera alguns anos de vida. Motivo? A condenação pública.

Voltemos a Comte-Sponville: “Coragem não é a ausência do medo, é a capacidade de enfrentá-lo, de dominá-lo, de superá-lo.” Se você hoje fosse o advogado de alguém que suplica por querer se defender, exerceria a profissão e teria a coragem de defender o seu direito? Se sim, você entende agora, ainda mais, porque eu (uma advogada mulher, no Rio de Janeiro) sempre me emociono quando profiro argumentos em uma sustentação oral.

Por fim, argumentar é distinto de vociferar; e ser corajoso difere-se de ser pedante. Houve um homem, na História, que defendeu os que não tinham voz. Foi tido como um dos mais humildes, mestres e até hoje, 2 mil anos depois, é referência na arte de amar o próximo. Corajoso, não?

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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