“O que aprendi em terras canadenses”, por Amanda de Moraes

Vancouver - Canadá

Vancouver – Canadá

Cada ser humano enxerga os eventos de uma forma. Temos cinco sentidos tradicionais: visão, olfato, paladar, audição e tato. Com esses sensores, absorvemos de forma única o mundo.

São os nossos filtros da realidade. Os depoimentos são, a grosso modo, a experiência do outro. Podemos fazer uma ideia do que ocorreu, mas (quase) nunca alcançaremos a vivência alheia, até porque, somado a esses filtros, existe a caminhada individual: traumas, alegrias, cultura, etc.

Viajar é interessante para conhecer o mundo como ele realmente é, aos próprios olhos, e não por meio de relatos, que serão sempre enviesados.

A cidade de Vancouver, no Canadá, cosmopolita, encanta pela diversidade e respeito às singularidades de cada ser humano. As experiências oferecidas por esse local são como aulas gratuitas de humanismo, essenciais a um bom gestor público.

Em muitos espaços canadenses, vê-se hasteada a bandeira da comunidade LGBTQIA+, emblema claro de que não se aceita a homofobia. É uma mensagem expressa: aqui, o preconceito não tem vez.

As veias de Vancouver são ciclovias, conectando quase todos os recantos. O respeito pelos ciclistas não advém somente dos políticos que construíram as vias, até porque uma sociedade civilizada é baseada também na cultura do povo. Os motoristas dividem o trânsito harmoniosamente, concedendo a cada bicicleta os mesmos direitos destinados aos automóveis. Uma bike à frente? Todo o cuidado é pouco para que o ciclista tenha segurança em sua locomoção.

As vagas destinadas aos idosos e pessoas com deficiências são protegidas pela comunidade local. Ai de quem estacionar nelas sem ter alguma dessas características.

A beleza não está somente nas ações expostas: o belo está até nos detalhes. As ruas e calçadas se conciliam com a paisagem, em cores da mesma paleta. A preservação da natureza dá o tom perfeito. As casas, por mais simples que sejam, seguem um padrão estético, enaltecendo a preocupação dos moradores com um tema tão importante para o bem-estar coletivo.

É preciso fazer um esforço hercúleo para encontrar um papel de bala no chão, e pouquíssimo empenho para localizar lixeiras.

Em meio a esse ideal de sociedade, um local particular: Dark Table, ou, em uma tradução direta, Mesa Escura, um restaurante com um propósito além de uma boa comida.

Os pratos são escolhidos pelos visitantes ainda na entrada. Na ocasião, o garçom pede que, após adentrarem o recinto, caso queiram pedir algo a mais, gritem o nome dele. Motivo? Todos os funcionários são cegos.

Os clientes, então, entram no restaurante em fila indiana, com a mão direita sob o ombro de quem está à frente. Se não fosse assim, seria impossível qualquer movimento ante a escuridão que se apresenta. Não dá para enxergar, mesmo com olhos atentos e abertos. O garçom cuidadosamente auxilia a todos a se acomodarem à mesa. De forma atabalhoada, inicia-se a degustação.

A experiência gastronômica é um vislumbre da vida de uma pessoa que não pode enxergar. Nesse restaurante, está-se vivendo, por algumas horas, sem o sentido da visão.

Olharmos a cidade do ponto de vista de pessoas com deficiências é essencial, para que a cidade seja projetada para o seu acesso por todos a habitam.

Apesar de tanto, é justo dizer que este é um relato. Com toda a certeza, existem pessoas que tiveram uma viagem ruim nas terras do atual Primeiro-Ministro Justin Pierre James Trudeau. Muitos aqui sentiram a paisagem triste, porque naquele dia perderam um ente querido. Sentiram a frieza causada pela saudade ou incomodaram-se com a estética do geométrico. O bonito para um é a feiura ao outro. Isso é o sentir.

Sempre que viajo, gosto de pensar que o melhor turismo acontece quando o passaporte está carimbado com a paz interior. Canadá nenhum estará acima de Trajano, porque – lá nas terras fluminenses – tenho a minha origem.

Como cidadã brasileira, ciente do vira-latismo de Nelson Rodrigues, tento comparar, pensando no bem-estar que poderíamos ter se as políticas públicas fossem feitas de forma ética e para o bem do próximo. Até porque “visão, olfato, paladar, audição e tato” são altamente prejudicadas por injustiça, desigualdade e corrupção.

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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