“Tata Tancredo: um cantagalense da umbanda africana”, por Celso Frauches

Foto de capa: “Cerimônia e dança de adivinhação”, pintura de Zacharias Wagener, de 1630

 

Tancredo da Silva Pinto − umbandista do culto Omolokô −, escritor, compositor, sambista, nasceu em Cantagalo, no dia 10 de agosto de 1905. Ainda na adolescência migrou para o município do Rio de Janeiro. Ele, reconhecido como sacerdote sob o nome religioso Fọ̀lkétu Olóròfẹ̀, é considerado o organizador do culto Omolokô no Brasil e o responsável direto pela reunião dos adeptos dos cultos afro-brasileiros em Federações Umbandistas para defender o seu direito de ter e cultuar uma religião afro-brasileira. Era conhecido como o “Papa Negro da Umbanda”, tratado por Babalaô (do Yorùbá, Babaláwo).

Filho de Belmiro da Silva Pinto e de Edwirges de Miranda Pinto, sendo seus avós maternos Manoel Luis de Miranda e Henriqueta Miranda, sua árvore genealógica remonta a grandes estudiosos e praticantes de religiões tradicionais africanas.

Seu pai, Belmiro, era considerado o melhor tocador de violão de sua época, na região de Cantagalo, e tinha em seu histórico o título de excelente ferrador, bem como de exímio tratador de animais, sendo ainda criador de pássaros de diversas qualidades.

Tata Tancredo, em 1950, fundou a Federação Espírita de Umbanda, com a qual rompe em 1952, devido a grandes perseguições aos umbandistas nos mais diversos Estados, assim como no antigo Distrito Federal, mais tarde Estado da Guanabara. Viajou por quase todo o país, fundando filiais da Federação com o objetivo de organizar e dar personalidade à Umbanda.

 

Babalaô Tancredo
Babalaô Tancredo

 

Fundou as Federações nos seguintes Estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e outros. Criou, para melhor mostrar seu culto de Umbanda ao povo em geral, as seguintes Festas Religiosas: Festa de Yemanjá, no Rio de Janeiro; Yaloxá, na Pampulha – Belo Horizonte; Cruzambê, em Betim – Minas Gerais; Festa de Preto Velho, em Inhoaíba – Rio de Janeiro; Festa de Xangô, em Pernambuco; “Você sabe o que é Umbanda” no Estádio do Maracanã–RJ, e finalmente a Festa da Fusão, realizada no centro da Ponte Rio-Niterói, quando da fusão dos estados do Rio e da Guanabara.

Segundo Tata Tancredo, a primeira sociedade umbandista criada para defender os direitos dos umbandistas no Rio de Janeiro e no Brasil foi a “União”, fundada em 1941. Naquela época, devido às perseguições policiais, os cultos eram acompanhados por bandolim, cavaquinho e órgão, porque não era permitido tocar tambores ou atabaques. No Rio de Janeiro, os cultos afro-brasileiros foram professados dessa maneira até 1950.

 

O babalaô Tancredo abrindo uma sessão em seu terreiro de umbanda africana
O babalaô Tancredo abrindo uma sessão em seu terreiro de umbanda africana

 

O motivo que levou Tancredo a criar federações umbandistas para defender os direitos dos cultos afro-brasileiros desenrolou-se na casa de santo de sua tia, Olga da Mata. De acordo com ele, esse episódio ocorreu na casa de sua tia, no terreiro São Manuel da Luz, que prometeu auxiliá-lo nesta tarefa. Imediatamente ele tomou a iniciativa de conceber a Confederação Umbandista do Brasil, sem dinheiro e a ajuda de outras pessoas ligadas à Umbanda. Diz: “Tive uma inspiração e compus o samba General da Banda, gravado pelo cantor Blecaute, de saudosa memória, que me deu algum dinheiro para dar os primeiros passos em favor da Confederação Umbandista do Brasil”.

Blecaute, nome artístico de Otávio Henrique de Oliveira (1919/1983), foi cantor e compositor com mais sucesso nos carnavais, em virtude das músicas populares que gravava. “General da Banda” foi um de seus maiores êxitos, lembrada em muitos carnavais. Um dos melhores sambistas da história da música popular brasileira. Começou a vida como engraxate, no Espírito Santo, e se destacou artisticamente após ser revelado em um show de calouros, no Rio de Janeiro, na antiga Rádio Nacional.

Depois desse fato, Tancredo fundou a Confederação Umbandista do Brasil, usando parte do pagamento recebido pelo direito autoral do samba “General da Banda” e a ajuda extra de Blecaute e, em outros Estados, novas federações umbandistas, a fim de defender os direitos dos cultos afro-brasileiros. Ele afirmava que a Confederação Umbandista do Brasil, fundada em 1952, foi criada “com a finalidade de restabelecer a tradição antiga, em toda sua força e pureza primitiva”, ou seja, a origem africana da Umbanda.

 

Blecaute, General da Banda
Blecaute, General da Banda

 

Foi significativa a posição de Tancredo contra as propostas de desafricanização da Umbanda, divulgadas nas palestras do 1º Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda (1941). Tancredo dizia que achava graça quando ouvia os “líderes da Umbanda Branca” dizendo que a religião sofre influência das tradições africanas. Para ele “a Umbanda é africana, é um patrimônio da raça negra”. Esse viés africanista da Umbanda pode ser visto em uma de suas afirmações: “Terreiro de Umbanda que não usar tambores e outros instrumentos rituais, que não cantar pontos em linguagem africana, que não oferecer sacrifício de preceito e nem preparar comida de santo, pode ser tudo, menos Terreiro de Umbanda”. Para afirmar a característica africana da Umbanda e dar uma formação intelectual aos praticantes do Omolokô, Tancredo organiza no Rio de Janeiro o primeiro curso de língua e cultura Iorubá. Ele defendia uma umbanda “popular” que reivindicasse suas origens nas tradições africanas.

Tata Tancredo da Silva Pinto publicou muitos livros em que apresentou a Umbanda como parte da herança africana. A Umbanda, portanto, começou a se organizar em torno de dois polos opostos: um, formado pela umbanda “branca”, influenciada pelo kardecismo e pelo desejo de criar uma imagem socialmente palatável, logo, não-africana; e o outro, pela Umbanda “africana” que reivindicava seus laços com os cultos afro-brasileiros, tendo os terreiros de Umbanda se distribuído ao longo desse continuum, que ia de uma forma “branca” a uma forma africana.

Tata Tancredo sempre foi muito polêmico. Hoje temos muitas “umbandas”. Como dizia um amigo, pastor de Igreja Batista em Duque de Caxias: “Cada um na sua e Deus na de todos”.

Fonte: Estatutos da “Sociedade Instituto Sanatório Espiritual do Brasil” e de várias outras fontes anônimas.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

Ver anterior

Começa o vencimento de pagamento do IPVA 2024

Ver próximo

Balança comercial fluminense fechou 2023 com superávit de US$ 20 bilhões

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Populares

error: Conteúdo protegido !!